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Evidentemente, o grau de desenvolvimento da psique animal, nessas formas ainda relativamente inferiores, não é comparável, salvo a extraordinária faculdade do cálculo, senão à de nossas crianças; mas a identidade do principio pensante, entre eles e nós, parece inegável e a hipótese de que passamos, anteriormente e sucessivamente, por estádios inferiores, antes de chegar à Humanidade, afigura-se hoje verossímil e deve ser tomada em séria consideração por todos os que procuram a solução do problema de nossas origens. Adiro, inteiramente, portanto, às conclusões formuladas por Bozzano, no trabalho notável ao qual tenho feito tantos empréstimos: Limitar-me-ei, pois, diz ele, a observar que, no dia em que se chegar a adquirir, cientificamente, a prova de que os fenômenos de percepção psíquica supranormal se manifestam, de modo idêntico, no homem e no animal, e de que essa prova é completada por outro fato, o de que as formas superiores do instinto próprio aos animais se encontram também na subconsciência do homem, nesse dia, seremos levados a demonstrar que não existe diferença de qualidade entre a alma humana e a do animal. Da mesma maneira, poder-se-á, então, fazer melhor compreender como a evolução biológica da espécie tem seu correspondente em uma evolução psíquica paralela que, a julgar pelas maravilhosas faculdades evidentemente independentes da lei de seleção natural, longe de dever ser considerada como simples produto de síntese funcional dos centros corticais, longe de consistir em simples epifenómeno, deve ser nitidamente reconhecida como originada por um princípio soberanamente ativo. Este se manifesta como força organizadora, e unicamente em virtude dele a lei de seleção natural é posta em estado de agir eficazmente, em vista da evolução biológica e morfológica da espécie. E às ciências psíquicas que pertence à tarefa gloriosa de o demonstrar, em futuro bastante próximo.. CAPITULO VI A MEMORIA INTEGRAL Ensaio de demonstração experimental das vidas sucessivas. - Algumas notas sobre a memória. - Condições de uma boa memória, segundo Ríbot. - A intensidade e a duração. - A memória não reside no cérebro, está contida no perispíríto. - Experiências de Desseoir e Dufay. - A Ecmenesía segundo Pitres. - Regressão da memória. - Associação dos estados fisiológicos e psicológicos; eles são inseparáveis. - História de Jeanne R... - Os exemplos citados por Pierre Janet. - História de Luís V. - Ligação indissolúvel dos estados físicos e mental. - A memória latente se revela por diferentes processos. - Despertar das recordações antigas durante a anestesia. - Visão por meio de bola de cristal. - Observação de Pierre Janet. - Criptomnésia. A memória integral Como terei de estudar os fenômenos que tendem a firmar a realidade das existências anteriores na Humanidade, e como esta demonstração repousa, em parte, na ressurreição das lembranças do passado, parece-me indispensável estabelecer que a memória não é umas faculdades simplesmente orgânicas, ligadas à substância do cérebro, mas que reside, ao contrário, nessa parte indestrutível, a que os espiritistas chamam perispírito. Se isto é certo, a alma, reencarnando-se, traz consigo, de forma latente, todas as lembranças de suas vidas anteriores, e, então, ser-lhe-á possível, por vezes e excepcionalmente, ter reminiscências do seu antigo passado. Assim como, em certas pessoas, consegue-se fazer renascer a memória de acontecimentos de sua vida atual, inteiramente desaparecidos da consciência normal, do mesmo modo poder-se-á, por vezes, penetrar até às profundezas desses arquivos ancestrais, que, a justo titulo, será possível qualificar de memória integral. Não se trata de fazer aqui um estudo completo da memória, porque esse trabalho exigiria muito mais espaço de que aquele de que dispõe esta obra. Bastar-me-á assinalar alguns fenômenos importantes, que demonstrarão, segundo penso, com evidência, que tudo o que age sobre o ser humano, nele se grava de maneira indelével; que esta conservação não reside, como ensina a Psicologia oficial, nos centros nervosos, mas nessa parte imperecível do ser, que o individualiza, e do qual é inseparável. Para que tal afirmação não pareça excessiva, é preciso lembrar que as aparições materializadas, reconstituindo temporariamente o antigo corpo material que tinham na Terra, com todos os seus caracteres anatômicos, provam que elas têm sempre o poder organizador, que dá ao invólucro carnal sua forma e suas propriedades; e todas as faculdades intelectuais são igualmente reconstituídas, quando o Espírito se torna completamente senhor do processo de materialização, porque, muitas vezes, o fantasma fala, escreve, e seu estilo, assim como sua grafia, são idênticos aos que possuía quando vivo. Assim, pois, a memória e o mecanismo ídeomotor da escrita se conservam depois da morte, prestes a manifestar-se de novo, fisicamente, quando as circunstâncias o permitem. Não é somente, portanto, no sistema nervoso, que se registram todas essas aquisições, porque a morte o destrói, e o ser que sobrevive traz consigo suas associações dinâmicas e suas recordações. O caso de Estela Livermore (59), que escreveu, sob os olhos do marido, mais de duzentas mensagens, depois de sua morte, mostra, com evidência, não só a conservação de sua personalidade, mas também que as lembranças nada perderam de sua integridade, pois que, apesar de americana, ela conservou, depois da morte, o conhecimento da língua francesa, que possuía em vida, e as mensagens são autógrafos inteiramente idênticos à sua escrita, quando viva. Este fato é confirmado por muitos outros obtidos, ou por médiuns mecânicos, ou pela escrita direta entre ardósias, de sorte que podemos, nós, espiritistas, afirmar que todas as aquisições espirituais, feitas durante a vida, não estão localizadas no encéfalo, mas no duplo fluídico, que é o verdadeiro corpo da alma. Assim sendo, qual o papel do sistema nervoso, durante a vida? É incontestável que a integridade da memória está ligada ao bom funcionamento do cérebro, porque muitas moléstias que atingem esse órgão têm como resultado enfraquecer e mesmo suprimir, completamente, a memória dos acontecimentos recentes, em totalidade ou em parte. Parece, pois, evidente, que, durante a vida, o cérebro é uma condição indispensável da memória. Mas aqui intervém uma segunda consideração, que me parece também da mais alta importância. É que o esquecimento que se verifica durante o curso da vida, ou depois das desordens orgânicas, não é fundamental, irredutível, mas aparente, visto que, por meio de diversos processos, é possível, por vezes, fazer renascerem essas lembranças, que pareciam aniquiladas para sempre. Vamos demonstrá-lo por diversos exemplos. Antes, porém, não é inútil lembrar algumas noções muito gerais, relativas a esse fenômeno misterioso, que ressuscita o passado e no-lo torna, por assim dizer, atual. Segundo Ribot, a memória compreende, na acepção corrente da palavra: a conservação de certos estados, sua reprodução, sua localização no passado. Isto não é, entretanto, senão uma espécie de memória, a que se pode chamar perfeita. Aqueles três elementos são de valor desigual; os dois primeiros são necessários, indispensáveis; o terceiro, que na linguagem de escola se chama de reconhecimento, completa a memória, mas não a constitui. O fato me parece tanto mais verdadeiro, quanto a lembrança está ligada, durante a vida, ao bom funcionamento do sistema nervoso. Mas, se a memória parece falha, não quer isto dizer que as lembranças fiquem aniquiladas, senão que o poder de as acordar foi momentaneamente paralisado, e que pode reaparecer quando as causas que o suprimiram cessarem de existir. O termo geral de memória compreende muitas variedades, e, entre os diversos indivíduos, o poder de renovação das sensações antigas é muito diferente. Uns possuem a memória visual muito desenvolvida, como os pintores Horace Vernet ou Gustave Doré, que podiam fazer um retrato de memória; em outros é o senso musical que atinge alto grau de perfeição, como Mozart, que escreveu o Miserere da Capeia Sistina, tendo-o ouvido apenas duas vezes. Entretanto, para que uma sensação fique registrada em nós, duas condições, pelo menos, são necessárias: a intensidade e a duração. Eis, segundo Ribot, a importância desses dois fatores (60) A intensidade é uma condição de caráter muito variado. Nossos estados de consciência lutam sem cessar para se suplantarem; a vitória pode resultar da força do vencedor ou da fraqueza dos outros lutadores. Sabemos que o mais vivo estado pode decrescer continuamente, até o momento em que cai abaixo do umbral da consciência, isto é, em que uma de suas condições de existência faz falta. E bem certo dizer que a consciência, em todos os degraus possíveis, por menores que sejam, admite modalidades infinitas - estados a que Maudsley chama subconscientes - mas nada autoriza a dizer que esse decrescimento não tenha limite, posto que ele nos escape. Não se tem tratado da duração, como condição necessária da consciência. Ela é, entretanto, capital. Os trabalhos executados há uns 30 anos determinaram o tempo necessário para as diversas percepções. Ainda que os resultados variem segundo os experimentadores, as pessoas, as circunstâncias e a natureza dos estados psíquicos estudados, está, pelo menos, estabelecido que cada ato psíquico requer uma duração apreciável e que a pretendida rapidez infinita do pensamento não passa de uma metáfora. Isto posto, é claro que toda ação nervosa, cuja duração é inferior à que requer a ação psíquica, não pode despertar a consciência. Acrescentemos que é preciso, ainda, fazer intervir a atenção, para que uma sensação se torne consciente. E notório, com efeito, que, se somos absorvidos por um trabalho interessante, não ouviremos mais o som do timbre do pêndulo, que, entretanto, fere sempre o nosso ouvido com a mesma força. Nosso espírito, ocupado alhures, não transforma esta sensação em percepção, isto é, nós não temos dela consciência. E muito curioso fazer observar que as sensações despercebidas pelo eu normal podem reaparecer, colocado o paciente em sono magnético. Eis um exemplo tomado a Desseoir: X..., absorvido pela leitura, entre amigos que conversavam, teve subitamente sua atenção despertada, ouvindo pronunciar-lhe o nome. Perguntou aos amigos o que tinham dito dele. Não lhe responderam; hipnotizaram-no. No sono, pôde repetir toda a conversa que havia escapado ao seu eu acordado. Ainda mais notáveis é o fato assinalado por Edmond Gurney e outros observadores, o de que o paciente hipnótico pode apanhar o cochicho de seu magnetizador, mesmo quando este está no meio de pessoas que conversam em alta voz. Nestes exemplos, a duração e a intensidade foram suficientes para gravar no sistema nervoso e no perispírito as palavras pronunciadas; mas, fazendo falta a atenção, não se produziu à memória consciente do estado de vigília, e o Indivíduo ignorou o que dele se disse; adormecido magneticamente, esse estado vibratório geral, a que os fisiologistas chamam sinestesia, aumentou, as vibrações auditivas tornaram-se mais intensas e o paciente pôde então delas tomar conhecimento. Não são, apenas, as lembranças do estado de vigília que o sonambulismo reconstituí, mas também as dos estados sonambúlicos anteriores, por forma que parece existir no mesmo indivíduo duas espécies de lembranças perfeitamente coordenadas, que se ignoram completamente. A observação que segue é disto palpitante exemplo (61) O Dr. Dufay, senador de Loire-et-Cher, publicou a observação sobre uma jovem que, em acesso de sonambulismo, tinha fechado numa gaveta jóias que pertenciam à sua patroa. Esta, não encontrando as jóias no lugar em que as deixara, acusou a criada de as haver roubado. A pobre moça protestava sua inocência, mas não podia dar qualquer esclarecimento sobre a desaparição dos objetos perdidos. Foi posta na prisão de Blois. O Dr. Dufay era então médico do presídio. Conhecia a detenta, por ter feito nela algumas experiências de hipnotismo. Adormeceu-a e interrogou-a sobre o delito de que a acusavam; ela lhe contou, então, com todos os pormenores desejáveis, que nunca houvera intenção de roubar a patroa, mas, que uma noite lhe viera à idéia de que certas jóias pertencentes à senhora não estavam em segurança, no móvel em que se achavam, e que, por isso, as fechara em outro móvel. O juiz de instrução foi informado desta revelação. Dirigiu-se ele à casa da senhora roubada e achou as jóias na gaveta indicada pela sonâmbula. Ficou claramente demonstrada a inocência da detenta e ela foi posta desde logo em liberdade. O que há de notável é que o estado segundo, quando é profundo (designando-se por este nome o produzido pelo sonambulismo), abraça toda espécie de memória, compreendidas as do sono e as da vida ordinária; é, em verdade, a vida antiga que ressuscita, com toda a complexidade que ela comporta. Pitres, na obra citada, nos dá um exemplo bem curioso. Ele o batizou com o termo de ecmenesía. Eis no que consiste: Suponhamos, um instante, que um indivíduo de 30 anos perde, subitamente, a lembrança de tudo que conheceu e aprendeu durante os 15 últimos anos de sua vida. Por essa amnésia parcial, produzir-se-á em seu estado mental uma radical transformação. Ele falará, agirá, raciocinará como se tivesse 15 anos. Terão os conhecimentos, os gostos, os sentimentos, os costumes que tinha aos 15 anos, visto que todas as lembranças dos últimos anos desaparecerão. No ponto de vista mental não será mais um adulto, mas um adolescente. Uma doente, Albertina M., de 28 anos, durante o delírio ecmenésico, viu-se transportada aos 7 anos, quando se ocupava em cuidar da vaca que pertencia àquela que a criara. Depois de observar todas as auras que precedem habitualmente a explosão dos ataques, a doente pôs-se a marchar lentamente, abaixando-se de quando em quando, como se apanhasse flores à margem de uma estrada. Depois, sentou-se, cantarolando. Alguns instantes mais e fez o gesto de remexer o bolso, e interrompia-se para falar à vaca. Interpelamo-la nesse momento, e ela, acreditando tratar com os garotos da aldeia, ofereceu-nos compartir dos seus brinquedos. Foi impossível fazê-la compreender o erro. A todas as perguntas que lhe dirigíamos a respeito da sua vaca, de sua avó, dos habitantes da aldeia, respondia com a ingenuidade de uma criança, mas com imperturbável precisão. Se, ao contrário, lhe falávamos de acontecimentos de que fora testemunha ou autora, no correr de sua existência, depois dos sete anos, parecia muito espantada e não compreendia nada. Devo assinalar duas particularidades que não deixam de ter importância. Até à idade de 12 anos, Albertina ficou em um lugarejo de Charente, entre pobres camponeses, que mal falavam o francês. Ela própria só falava o dialeto de Saintonge; mais tarde é que aprendeu o francês. Assim, durante toda a duração do ataque, exprimia-se no patoá, e se nós lhe pedíamos que falasse francês, respondia, invariavelmente em patoá, que não conhecia a língua dos senhores da cidade. A segunda particularidade não é menos curiosa. Na idade de 7 anos, Albertina não tivera acidentes histéricos e, segundo tudo leva a crer, não tinha ainda hemianestesia nem zonas histerógenas. Ora, durante o delírio de que nos ocupamos, a sensibilidade cutânea era normal, tanto do lado direito como do esquerdo, e todas as zonas espasmogênicas perderam a ação, salvo a zona ovariana esquerda, que, premida energicamente, teve por efeito fazer parar imediatamente o delírio. Voltada ao estado normal, a moça não possuía nenhuma recordação do que havia dito ou feito. |